A PEDRA DA VESÍCULA
«O maior vício português é embirrar sem provar; sem ter de lá ir; sem saber. Experimentar é que nunca. Não é preciso. Preferimos estudar à lupa uma manifestação dessa coisa (uma notícia; um anúncio; o que diz um amigo) até lhe descobrir um defeito.
Aí já nos apetrechámos para tirar todas as conclusões e, sem termos crescentado um só grama à nossa experiência das coisas e da vida, lá nos pomos a palrar o que já sabíamos para deitar abaixo o que não conhecemos.
Um exemplo. Um slide show no NewYorkTimes.com mostra o mais novo restaurante português de Manhattan. Chama-se Aldea e o chefe chama-se George Mendes. Aqui estrepitou logo a vesícula embirrativa, lançando as primeiras gotas de bílis: não é assim que se escreve aldeia nem assim que se diz Jorge. Depois, um dos pratos mais elogiados é o egg, bacon, peas and summer truffle. Deve ser delicioso e todos os críticos que já provaram asseveram que é, mas o nosso impulso atrabiliário não perdoa: cheira-nos a ervilhas com ovos, armadas ao pingarelho.
Tive de me travar. A minha vesícula tacanha já me estava a dar fartura de tanto ter almoçado e jantado no Aldea, sempre mal servido e desgostoso, atirando com os talheres com os mesmos rabuges, qu'aquilo não era cozinha portuguesa, porque portuguesa só a da minha avó e pó carago.
Tudo isto para não dar os parabéns a George Mendes e para não ter o prazer de lá ir.Temos mesmo de mandar tirar esta pedra da vesícula.» [Público assinantes]
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