ECONOMISTAS
A política perversa da crise financeira
08 Agosto 2011 | 11:47
LuigiZingales -
Ao tentar entender o padrão e o momento das intervenções governamentais durante a crise financeira, devemos talvez concluir que, parafraseando o filósofo francês Blaise Pascal, os políticos têm incentivos que a economia não consegue entender.
Do ponto de vista económico, o problema é simples. Quando a solvência soberana se deteriora significativamente, a sua sobrevivência torna-se dependente das expectativas do mercado. Se as expectativas indicarem que a Itália é solvente, os mercados vão emprestar a taxas de juro mais baixas. A Itália vai ser capaz de cumprir as obrigações actuais e muito provavelmente, também, as obrigações futuras. Mas se muitas pessoas começarem a duvidar da solvência do país e a exigir um prémio mais elevado, o défice orçamental do país vai piorar e é provável que a Itália entre em incumprimento.
Se um devedor como a Itália acaba protegido pelas boas expectativas ou cai num pesadelo depende, muitas vezes, de algumas "notícias coordenadas". Se todos esperarem que um corte de "rating" torne a dívida italiana insustentável, a Itália entrará, de facto, em incumprimento após o corte, independentemente dos efeitos deste corte na economia real. Esta é a maldição do que os economistas chamam de "equilíbrio múltiplo": quando espero que os outros comecem a fugir, é óptimo para mim começar também a fugir; mas se todos mantiverem a calma, não tenho incentivos para fazer algo diferente da maioria.
Tendo em conta esta dinâmica económica, parece haver duas receitas políticas óbvias. Em primeiro lugar, é muito perigoso para qualquer país aproximar-se de um ponto em que a insolvência pode facilmente ser desencadeada. Apesar de ninguém conseguir antecipar este ponto, é óbvio quando começam a soar os primeiros sinais de alarme. Dado o enorme custo de um incumprimento, qualquer governo deve ficar afastado da zona de perigo.
A segunda receita assume que se, por alguma razão, algum país acabar por entrar na zona de perigo, só há duas respostas que fazem sentido económico. Ou as autoridades reconhecem imediatamente a inevitabilidade de um incumprimento e não gastam recursos para o evitar, ou acreditam que um incumprimento pode ser evitado e disponibilizam todos os recursos à sua disposição o mais depressa possível. Tal como em muitas guerras, um agravamento numa crise financeira leva muitas vezes ao pior resultado possível: uma derrota com elevados prejuízos.
Essa é, infelizmente, a história da intervenção das autoridades norte-americanas durante a crise financeira de 2008. Após o colapso do Bear Stearns ficou claro que iriam haver mais problemas. Ainda assim, o governo dos Estados Unidos não fez nada. Em Julho de 2008, quando a Fannie Mae e a Freddie Mac foram consideradas insolventes, o Secretário do Tesouro prometeu, então, resolver o problema com uma bazuca mas acabou por resolver o problema apenas com uma bala. Foi só após o colapso do Lehman Brothers que Paulson foi ao Congresso procurar a aprovação de um pacote de 700 mil milhões de dólares para estabilizar o sistema financeiro. Mesmo isso acabou por insuficiente.
A mesma farsa parece estar a ter lugar na Europa. Se as autoridades europeias achavam que a Grécia precisava de ser salva, uma intervenção imediata poderia ter minimizado os recursos necessários. Se pensavam que a Grécia devia entrar em incumprimento, uma decisão nesse sentido tinha também minimizado os custos. Agora estamos no segundo pacote de ajuda e parece não haver fim à vista. Entretanto, a Itália está a afundar-se.
Podemos argumentar que os políticos agiram desta maneira porque não entenderam a natureza económica desta crise. Não concordo. Penso que o que os levou a agir desta maneira não foi falta de conhecimento mas sim incentivos perversos.
Primeiro que tudo, mesmo para alguém com os melhores incentivos, é difícil escolher um custo menor que seja pago já em vez de um custo maior que poderá diminuir no futuro. Para um político eleito que já não estará em funções (ou mesmo vivo) quando os custos mais elevados se materializarem a escolha é óbvia. É por isso que os países acumulam dívidas que os colocam na zona de perigo.
Em segundo, não há nenhuma compensação política de enfrentar uma guerra preventiva. Pelo contrário, agir depois dos problemas terem rebentado gera um enorme capital político. Se Franklin Roosevelt tivesse conseguido evitar o ataque a Pearl Harbor com uma intervenção preventiva contra o Japão, ainda estaríamos a discutir se a guerra com o Japão era evitável. Roosevelt esperou e só agiu após a catástrofe e tem sido considerado um salvador. Para agir os políticos precisam de consensos. Mas estes normalmente só aparecem depois dos custos de não fazer nada serem demasiado visíveis. Nesta altura, é muitas vezes demasiado tarde para evitar o pior resultado.
Estes incentivos estão presentes em todas as democracias. Não podem ser eliminados. Mas podem ser atenuados. O Pacto de Estabilidade e Crescimento da Europa foi um esforço nesse sentido - ao criar incentivos para que os países da Zona Euro se mantivessem afastados da zona de perigo. Infelizmente, o pacto falhou miseravelmente. Mas se queremos que o euro sobreviva - e que outros países evitem crises de dívida soberana - precisamos de regras à prova de políticos.
LuigiZingales -
Ao tentar entender o padrão e o momento das intervenções governamentais durante a crise financeira, devemos talvez concluir que, parafraseando o filósofo francês Blaise Pascal, os políticos têm incentivos que a economia não consegue entender.
Do ponto de vista económico, o problema é simples. Quando a solvência soberana se deteriora significativamente, a sua sobrevivência torna-se dependente das expectativas do mercado. Se as expectativas indicarem que a Itália é solvente, os mercados vão emprestar a taxas de juro mais baixas. A Itália vai ser capaz de cumprir as obrigações actuais e muito provavelmente, também, as obrigações futuras. Mas se muitas pessoas começarem a duvidar da solvência do país e a exigir um prémio mais elevado, o défice orçamental do país vai piorar e é provável que a Itália entre em incumprimento.
Se um devedor como a Itália acaba protegido pelas boas expectativas ou cai num pesadelo depende, muitas vezes, de algumas "notícias coordenadas". Se todos esperarem que um corte de "rating" torne a dívida italiana insustentável, a Itália entrará, de facto, em incumprimento após o corte, independentemente dos efeitos deste corte na economia real. Esta é a maldição do que os economistas chamam de "equilíbrio múltiplo": quando espero que os outros comecem a fugir, é óptimo para mim começar também a fugir; mas se todos mantiverem a calma, não tenho incentivos para fazer algo diferente da maioria.
Tendo em conta esta dinâmica económica, parece haver duas receitas políticas óbvias. Em primeiro lugar, é muito perigoso para qualquer país aproximar-se de um ponto em que a insolvência pode facilmente ser desencadeada. Apesar de ninguém conseguir antecipar este ponto, é óbvio quando começam a soar os primeiros sinais de alarme. Dado o enorme custo de um incumprimento, qualquer governo deve ficar afastado da zona de perigo.
A segunda receita assume que se, por alguma razão, algum país acabar por entrar na zona de perigo, só há duas respostas que fazem sentido económico. Ou as autoridades reconhecem imediatamente a inevitabilidade de um incumprimento e não gastam recursos para o evitar, ou acreditam que um incumprimento pode ser evitado e disponibilizam todos os recursos à sua disposição o mais depressa possível. Tal como em muitas guerras, um agravamento numa crise financeira leva muitas vezes ao pior resultado possível: uma derrota com elevados prejuízos.
Essa é, infelizmente, a história da intervenção das autoridades norte-americanas durante a crise financeira de 2008. Após o colapso do Bear Stearns ficou claro que iriam haver mais problemas. Ainda assim, o governo dos Estados Unidos não fez nada. Em Julho de 2008, quando a Fannie Mae e a Freddie Mac foram consideradas insolventes, o Secretário do Tesouro prometeu, então, resolver o problema com uma bazuca mas acabou por resolver o problema apenas com uma bala. Foi só após o colapso do Lehman Brothers que Paulson foi ao Congresso procurar a aprovação de um pacote de 700 mil milhões de dólares para estabilizar o sistema financeiro. Mesmo isso acabou por insuficiente.
A mesma farsa parece estar a ter lugar na Europa. Se as autoridades europeias achavam que a Grécia precisava de ser salva, uma intervenção imediata poderia ter minimizado os recursos necessários. Se pensavam que a Grécia devia entrar em incumprimento, uma decisão nesse sentido tinha também minimizado os custos. Agora estamos no segundo pacote de ajuda e parece não haver fim à vista. Entretanto, a Itália está a afundar-se.
Podemos argumentar que os políticos agiram desta maneira porque não entenderam a natureza económica desta crise. Não concordo. Penso que o que os levou a agir desta maneira não foi falta de conhecimento mas sim incentivos perversos.
Primeiro que tudo, mesmo para alguém com os melhores incentivos, é difícil escolher um custo menor que seja pago já em vez de um custo maior que poderá diminuir no futuro. Para um político eleito que já não estará em funções (ou mesmo vivo) quando os custos mais elevados se materializarem a escolha é óbvia. É por isso que os países acumulam dívidas que os colocam na zona de perigo.
Em segundo, não há nenhuma compensação política de enfrentar uma guerra preventiva. Pelo contrário, agir depois dos problemas terem rebentado gera um enorme capital político. Se Franklin Roosevelt tivesse conseguido evitar o ataque a Pearl Harbor com uma intervenção preventiva contra o Japão, ainda estaríamos a discutir se a guerra com o Japão era evitável. Roosevelt esperou e só agiu após a catástrofe e tem sido considerado um salvador. Para agir os políticos precisam de consensos. Mas estes normalmente só aparecem depois dos custos de não fazer nada serem demasiado visíveis. Nesta altura, é muitas vezes demasiado tarde para evitar o pior resultado.
Estes incentivos estão presentes em todas as democracias. Não podem ser eliminados. Mas podem ser atenuados. O Pacto de Estabilidade e Crescimento da Europa foi um esforço nesse sentido - ao criar incentivos para que os países da Zona Euro se mantivessem afastados da zona de perigo. Infelizmente, o pacto falhou miseravelmente. Mas se queremos que o euro sobreviva - e que outros países evitem crises de dívida soberana - precisamos de regras à prova de políticos.
Luigi Zingales é professor de empreendedorimo e finanças na Universidade de Chicago e co-autor, com Raghuram G. Rajan, do livro "Saving Capitalism from the Capitalists".
© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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