O Rodrigo Moita de Deus faz aqui uma pergunta pertinente. Ora, claro que este orçamento, com os seus cortes muito para além do necessário, não advém de nenhuma necessidade psicológica de ser odiado, ou de sadismo. É apenas frieza calculista.
Numa esquerda em estado de choque, tenho visto dois tipos de explicações para este comportamento. A primeira, é que já sabem que existem mais despesas ocultas da responsabilidade do PSD, ou que a dívida da Madeira é muito maior do que sabemos, e estão já a preparar o terreno para lidar com essas despesas ao mesmo tempo que dão a entender que seriam ocultações do PS. É uma teoria válida, e que não descarto. A segunda, até mais habitual, explica isto com “ideologias” (a esquerda gosta muito de explicar tudo com ideologias). A ideia seria então “destruir” a economia e o país para poderem impor então a sua ideologia “neo-liberal”, cortar os direitos dos trabalhadores, acabar com o estado social, entregar tudo aos grandes interesses económicos, etc, etc.
Aqui, vão desculpar, mas não me façam rir. “Ideologias” nas mentes do PSD? Naqueles broncos que não fazem outra coisa do que aspirar a viver sob a protecção do estado e respectivos subsídios, de preferência encapotados? Só podem estar a brincar. O PSD de Passos falou muito de “liberalismo”, sem dúvida , mas sabemos perfeitamente que, como tudo o que diz, não passou de conversa para enganar tolos.
Para compreender a estratégia, creio que temos que descer a um nível mais básico da política: a manutenção do poder. O governo foi eleito em 2011, tem maioria absoluta e um presidente da mesma cor politica que tem mandato até 2016 , o que significa que só haverá novas eleições em 2015. Ou seja, trocado por miúdos, o orçamento que conta para a reeleição é o de 2014.
Sendo assim, e sabendo que o reajustamento da economia – que tem agora de ser feito desta maneira, uma vez que a direita forçou a vinda da troika – é um processo de muitos anos, havia dois caminhos: o “suave”, negociado por Sócrates, que procura reduzir a despesa tentando provocar menos estragos na economia (isto, claro, dentro da lógica sempre destrutiva da troika), mas que não daria margem para benesses durante um longo período, ou o segundo caminho, agora escolhido – fazer os cortes à bruta em dois anos apenas, marimbar-se para a economia e o sofrimento, ignorar equilíbrios delicados, aceitar a recessão, culpar e diabolizar o governo anterior, para com isto tentar ter margem de manobra para em 2014 poder repor alguma coisa e apresentar algum crescimento. Esta é a verdadeira “almofada” de Gaspar. Sabendo que após uma queda na economia muito superior à necessária ela voltará necessariamente a crescer, sobretudo se for entretanto implementado um programa de investimento europeu para a recuperação económica, permitindo ao PM recolher os louros e afirmar, como afirmará, que é a prova que o caminho foi duro mas estava correcto. Sem que ninguém se aperceba que é mais fácil subir de 10 do que tentar não baixar dos 20 e crescer a partir daí. É a lógica do negociador, levada ao limite – faço-os perder 50, para ficarem agradecidos quando devolver 20. Assim nem se lembram que perderam 30.
Para quem elogia a “coragem” de Passos, relembro que coragem a sério seria implementar medidas que procurassem salvaguardar o mais possível a economia e as pessoas, mas que durariam mais anos – até às eleições, provavelmente para além delas – e seriam sempre impopulares, pondo em risco a reeleição. Isto que se quer fazer não é coragem, é apenas calculismo.
Por isso, ideologia nenhuma, lamento. Sabemos perfeitamente, e a história confirma-o, que se Passos e o PSD pudessem aumentar o défice até aos 10% apenas em benesses e auto-estradas era o que fariam. Mas não podem, porque estão sob supervisão e com o crédito cortado. O orçamento de 2012, e provavelmente o de 2013, não passa de puro cinismo e lógica de poder, indiferentes à sorte dos cidadãos. Exactamente o mesmo pensamento que levou ao chumbo do PEC IV.
Esta parece-me ser a estratégia. E, tenho pena de reconhecê-lo, com alguma sorte é bem provável que funcione.